Originalidade?

Minha história se fez e se refaz com resquícios de tudo que encontra minhas circunstâncias. O que se apresenta para minha representação pode (ou não), em maior ou menor relevância e intensidade, ser incorporado à forma com que entendo o mundo.
As tintas com as quais pinto as telas da minha existência são variadas. Algumas cores já foram utilizadas por muitos outros artistas e integram minhas obras por serem ainda vivas, intensas; outras matizes, por sua vez, são inéditas, mesclas de algumas cores que ninguém antes havia ousado em compor.
Se alguém sentir-se lesado por algum escrito, favor me comunicar por e-mail que tentaremos resolver isso.
Divirta-se ou se entristeça.
Boa viagem!

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Por uma nova ética

O Supremo Tribunal Federal (STF) me chamou para eu dar meu voto no julgamento que pede a liberação ou a descriminalização do aborto para fetos sem cérebro. Num primeiro momento eu fiquei surpreso, mas vesti uma toga preta e lá fui eu.

Depois de cumprimentar os ministros que tem poder de decisão, tratei de deixar bem claro que eu não sou ministro, não sou advogado, não sou desembargador, não sou juiz, não sou deputado, não sou padre e nem pastor, não sou médico, não sou cientista, não sou santo, não sou nenhuma divindade e, mesmo não sabendo o motivo pelo qual eu estava ali dando meu veredito, disse que não queria afrontar ou ofender alguém com minhas considerações.

Eu estava trêmulo. Que caminhos percorrer?

- “Meus caros, quando começa uma vida? Quando o óvulo é fecundado pelo espermatozoide? Com a passagem de alguns meses de desenvolvimento do feto? A vida começaria, talvez, no nascimento?

Bem, permitam-me algumas considerações. A partir do surgimento do Cristianismo, a vida passou a ter um caráter sagrado, sendo que a vida humana foi sobreposta à vida de qualquer outro ser. Esta ideia cristã perpassou tradições e perdurou por mais de dois mil anos. Somente há pouco tempo algumas pessoas começaram a contrapor as verdades advindas dos dogmas cristãos, fazendo surgir novas visões de mundo e ampliando as possibilidades de reflexões éticas.

Peter Singer é uma destas pessoas que apresentaram novos paradigmas para a humanidade. Ele propõe uma ética teleontológica, na qual o valor de uma ação é medida por seu fim, por seu resultado. Nesta perspectiva utilitarista, Singer requer que imaginemos as possíveis consequências de nossos atos. Segundo suas considerações, uma ação será moralmente boa quando seus resultados proporcionarem um aumento de felicidade ou uma diminuição da dor da maioria dos afetados por tal ação.

Para a ética tradicional calcada em valores arraigados há milênios, a ética proposta por Singer é insustentável, pois vários de seus elementos entram em conflito com o que a tradição nos legou. A vida possui um valor sagrado, estando acima de todo e qualquer aspecto, privar alguém dela é pecado, homicídio, crime. No rompimento que Singer promove com o que ele chama de velha ética, a eutanásia e o aborto são elencadas como atitudes que podem ser moralmente aceitas e justificáveis, de tal forma que tais atos sejam descriminalizados.

Visto que a proposta singeriana leva em consideração o aumento de felicidade ou a diminuição da dor, interromper uma gravidez na qual foi detectada anencefalia é uma atitude considerada moralmente boa. Isto devido ao sofrimento de todos os envolvidos numa gestação nestes termos, nos quais nem imaginamos o quão doloroso seja, tanto física quanto psicologicamente.

Cabe ressaltar que quando estamos na esfera da ética, a decisão final é sempre do indivíduo. Portanto, se é o desejo de uma mãe ou da família que seja interrompida uma gravidez de um feto anencefálico, não é o Estado ou a Igreja quem deve intervir em tal decisão. Se uma pessoa manifesta conscientemente seu desejo de não permanecer em estado vegetativo, em coma induzido caso isso venha lhe acontecer, quem tem poder de desautorizar esta decisão? Da mesma forma, se uma família decide que é melhor que os profissionais da saúde desliguem os aparelhos daquele familiar que está vegetando já há algum tempo, é o juramento dos médicos que impede que isso se realize?

Devemos pensar, sim, em garantir o direito à plenitude da vida. Mas não devemos confundir o direito à morte com crime, com homicídio.

Tenho meus motivos, portanto, para votar a favor da descriminalização do aborto em casos de má formação genética que indicam anencefalia. E meu voto se dá neste sentido.

Obrigado pela atenção”.

Antes mesmo do relator dar prosseguimento ao ato, eu acordei suado. Meu quarto escuro ao invés da luminosidade da sede do STF, sozinho, ao contrário dos holofotes daquele agitado lugar, de cueca no lugar da toga e com a convicção de que o resultado seria favorável ao que havia sido encaminhado para votação.

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