Originalidade?

Minha história se fez e se refaz com resquícios de tudo que encontra minhas circunstâncias. O que se apresenta para minha representação pode (ou não), em maior ou menor relevância e intensidade, ser incorporado à forma com que entendo o mundo.
As tintas com as quais pinto as telas da minha existência são variadas. Algumas cores já foram utilizadas por muitos outros artistas e integram minhas obras por serem ainda vivas, intensas; outras matizes, por sua vez, são inéditas, mesclas de algumas cores que ninguém antes havia ousado em compor.
Se alguém sentir-se lesado por algum escrito, favor me comunicar por e-mail que tentaremos resolver isso.
Divirta-se ou se entristeça.
Boa viagem!

domingo, 18 de janeiro de 2015

Eu e os pássaros

Tempo bom aquele em que as crianças ainda tinham tempo de ser crianças, de brincar, de se divertir sem terem que se preocupar com uma agenda programada pelos pais com mil e uma atividades. Bolinhas de gude, ou jogo de bolitas, brincar na areia, de esconde-esconde, de polícia e ladrão, fazer racha de bicicletas, escorregar na grama ou em barrancos sentado em um papelão, tomar banhos de piscina, de chuva, de cascata, de mangueira, de açude... enfim, muitas coisas que transcendem o mundo tecnológico-digital de hoje. Baaah! Até meio nostálgico. Maravilhas que tive oportunidade de vivenciar e que têm espaço reservado em minha memória e em meu coração.
Caçar de estilingue, ou bodoque, como chamávamos, era outra atividade que acabava em farra. Eu tive alguns colegas bons de mira. Era um passarinho descuidar, sentar num fio de luz ou numa árvore próxima e "toma!". Lá se ia o bichinho para o chão com uma pedrada. Tinha que ter boas noções de física, para saber a distância que a pedra lançada alcançaria, e de direção, para não atingir pessoas ou quebrar alguma coisa nas casas do arredores por onde passávamos. Duas coisas que eu não dominava muito bem. O que me restava, então, era catar as pedras mais redondas para que meus amigos atirassem com mais propriedade. Nisso eu era perito.
Pois um dia resolvi sair sozinho à caça. Fiquei com dor nos braços de tanto atirar. No caminho de volta para casa, acertei uma andorinha que fazia voos circulares com seu bando. Ela caiu no meio da rua, uma estrada de terra batida por onde eu passava. Que euforia. Eu acabava de matar o primeiro pássaro da minha vida. Mas logo a euforia se tornou algo um tanto incômodo. Eu não sabia se ficava ali, se corria, se pegava o bichinho ainda quente e com sangue escorrido no bico ou se o deixava lá caído, morto, sozinho. Desajeitado, peguei a andorinha e corri até onde minha mãe trabalhava. Cheguei chorando, dizendo para ela que havia matado um passarinho. E com um grau enorme de dificuldade, já que a andorinha não estava pousada em nada, mas em pleno voo. 
Até hoje não sei se minhas lágrimas eram por ter conseguido matar aquele bichinho ou se por ter tirado a vida daquele indefeso e inocente animal. Foi o primeiro e o último pássaro que matei.
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Na janela da sala onde trabalho tem um pardal que, vez em quando, vem me visitar. É lindo olhar aquela criaturinha com o colorido das árvores e do céu como pano de fundo.
Costumo dizer que ele vem trazer alegria, que as batidas que ele dá com o bico no vidro são para alertar que lá fora existe um mundo que não pode ser esquecido, um mundo mágico. Basta estarmos atentos para perceber.
Uma colega minha já ficou íntima dele. É passar alguns dias sem o pardalzinho aparecer e ela já lembra "Estranho, tem dias que o nosso amigo não vem nos visitar"
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Uma noite um casal de passarinhos invadiu a mesma sala onde trabalho. Fiquei feliz com a companhia, pois estava sozinho naquele turno. Larguei de lado o que eu estava fazendo e fiquei prestando atenção aos voos que fizerem. Sentaram no ventilador, olharam atentos para ver se achavam a saída, voaram para a copiadora, se separaram, um indo para cima de um arquivo de aço, o outro pousando no chão. Nossa! Como desconectei de toda a burocracia naqueles momentos. 
Quando uma moça entrou na sala para requerer um serviço eu estava agachado, falando com os pássaros, apontando para saírem pela porta, dizendo que voar contra os vidros só iria macucá-los. Atendi a moça, que ficou encantada com a calma que o casalzinho de asas apresentava dentro da sala. Estavam à vontade.
Saí, então, para pegar um pouco de água e quando retornei eles já não estava mais na sala. Saíram de mansinho. Acho que não gostavam muito de despedidas.
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Escrevi essas linhas ao som de jazz. A inspiração me veio quando baixei um pouco o volume da música para que o canto dos pássaros ficasse no mesmo tom do piano e do saxofone. Que sinfonia! 

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Faça o que eu digo, não faça o que eu faço?

            Em muitos casos, e para muitas pessoas, uma coisa é o que é pensado, o que habita o mundo das ideias e outra coisa é o mundo da concretude, das atitudes, da prática. E isso não necessariamente tem a ver com dissimulação, com falsidade, com falta de caráter ou de princípios.
             Diferente disso, outras pessoas tentam seguir à risca aquilo que pensam. Pessoas que estão assim estruturadas agem de forma que haja uma proximidade enorme entre o que teorizam e o que praticam, entre o que dizem e o que fazem. 
            Esses elementos apontam para características singulares de cada pessoa e não se trata de fazermos juízo de valor quanto a isso, tampouco estabelecermos uma forma de agir como sendo melhor que as outras. Podemos até não compactuar, não concordar com isso, mas é nosso dever respeitarmos a forma de ser de tais criaturas.
            Em muitas circunstâncias, no entanto, é importante que o discurso encontre acolhida na prática. Pense em um pai que fuma e consome álcool quase que diariamente orientando seu filho para que fique longe das drogas; em uma mãe que não lê, mas quer que sua filha adote o hábito da leitura. Não é impossível que o filho fique, de fato, longe das drogas e que a filha se torne uma leitora assídua, apesar do exemplo contrário dos seus pais. Talvez até o façam justamente por querer evitar se tornarem como seus criadores/educadores. Mesmo não havendo um elemento universal e de conexão necessária de causa e efeito para que um comportamento “x” decorra de um estímulo “y”, é bem provável que tanto o filho quanto a filha dos exemplos acima reproduzam as atitudes dos pais.
Para muitas pessoas, não se aplica o velho jargão de “faça o que eu digo, não faça o que faço”. Elas buscam consistência no sentido de estreitar o laço entre o pensar e o agir. O abismo entre o dizer e o fazer soam, para elas, como hipocrisia e deve ser evitado ao máximo, tanto que o que elas dizem é o que elas fazem e vice-versa. De nada adianta, por exemplo, professar uma fé que mova montanhas se, na prática, o indivíduo não move um alfinete para ajudar o próximo; não adianta um discurso bem elaborado em forma e conteúdo se a prática for na direção contrária daquilo que foi expresso.
Para amarrar meus raciocínios, cito o filósofo Ralph W. Emerson: “suas atitudes falam tão alto que eu não consigo ouvir o que você diz” e as palavras de um dos expoentes da literatura portuguesa, Manuel Bernardes: “Não há modo de mandar mais forte e suave que o exemplo: persuade sem retórica, impele sem violência, convence sem debate, todas as dúvidas desata e corta caladamente todas as desculpas. Pelo contrário, fazer uma coisa e mandar ou aconselhar outra é querer endireitar a sombra de vara torcida.
Que texto lhe sirva de reflexão e que, mais do que isso, contribua para o aprimoramento dos seus afazeres, independente de quais sejam.

Seguimos...