Se eu fosse você, daria um jeito de colocar O tempo é um rio que corre mais acima na pilha dos livros que estão para serem lidos.
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Esta é, no meu entender, a obra mais espetacular da Lya Luft. Quem já conhece a autora sabe que as relações humanas, o tempo e a morte são temas que ela não se cansa de abordar. Neste livro, especificamente, Luft discorre sobre o fluir das fases da vida - "o fluir da vida é o rio do crescimento e da transformação, diz ela, cada qual com seus prazeres, suas limitações, suas paixões, suas angústias, suas possibilidades, suas esperanças. O livro é dividido em três capítulos: 1) águas mansas, 2) maré alta e 3) a embocadura do rio. Por analogia, são a infância, a juventude e o envelhecer, respectivamente. Uma leitura leve e, ao mesmo tempo, de enorme profundidade reflexiva-existencial.
Como eu sou bonzinho com as poucas pessoas que me leem - e já que ando meio ausente desse meu cantinho no blog - vou deixar aqui alguns recortes de cada um dos capítulos da obra, começando agora e me estendo pelas próximas duas postagens.
Mas a indicação de leitura do livro na íntegra continua super valendo.
Mas a indicação de leitura do livro na íntegra continua super valendo.
Bom proveito!
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I - Águas mansas
"Cúmplices de nós mesmos nesse solitário brinquedo de existir, alternamos trabalho duro com euforia cintilante, desejo de se ocultar atrás de fantasias e o ímpeto de arrancar as máscaras e finalmente ser."
"No tempo sem tempo da infância , o trabalho dos relógios demarcando a vida é coisa dos adultos, é hora imposta de fora. [...] Tudo é possível nessa fase: o tempo em curso pode ser apenas uma invenção malévola dos bem-intencionados adultos para nos controlar."
"Se tivéssemos consciência de que estamos em transformação, de que tudo é passageiro e pode acabar em alguns minutos - ou anos, ou décadas que seja -, não suportaríamos a pressão, não haveria espaço emocional para viver com certa normalidade.
(Ou, na ambiguidade que nos caracteriza, daríamos mais valor ao que temos?)"
"Antes de lhe darmos nome tudo se chama: enigma."
"O mundo, com gente, casas, carros, florestas e rios, e todos os mares, será apenas a invenção de cada um para dar algum sentido a toda essa complexidade?"
"Não parece haver respostas.
Mas nós insistimos em inventar algumas - e isso afinal nos salva."
"O tempo, criador de ilusões: os que morreram são para nós sempre como eram - jovens, velhos, belos, feios, com suas manias e jeitos de ser que nos encantavam ou irritavam tanto. Não crescem os mortos, não envelhecem, nem se transfiguram."
"A gente pode não ser tão importante, nem nossas dores, e desejos, e alegrias, nem nossa morte: aprendi."
"Dores de crescimento furam os ossos da alma."
"Eu só queria um tempo sem medidas para ficar suspensa no varal dos devaneios: que figura estava se formando naquela nuvem, que unicórnio, que princesa habitavam os morros azuis, que dedo mágico do vento fazia um traçado nas copas das árvores numa linha caprichosa, só um arco de singular de folhagem se movendo?"
"Por algum tempo não somos nós mesmos, não somos nada, apenas transitamos, fluímos, os adultos nos olham com certa impaciência, bom humor (se tivermos sorte) ou compaixão: que idade essa, de não ser criança nem jovem, de simplesmente não ser?"
"O rio dos encontros e das despedidas. Dizer adeus a si mesmo em cada fase."
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