Desde que vi os primeiros conteúdos do Professor Clóvis de Barros Filho na internet, fiquei fã dele. Tanto que volta e meia eu tiro um tempo para acessar alguma coisa dele, palestras, aulas, textos.
A seguir tem a maior parte transcrita de um trecho de uma aula sobre Desejo x Vontade em Kant que me dei o trabalho de transcrever. Para mim é um espetáculo isso que ele está falando.
Como é tempo de muita gente retomar a rotina de aulas, é bom dar uma refletida sobre o papel docente e, não menos interessante e/ou importante, do aluno. E das últimas palavras do professor nasceu o título dessa postagem.
Eis então as magníficas considerações que merecem ser grifadas.
“Porque isso tudo é de uma potência de argumentação fudida. Por
que o que que Kant tá dizendo? Kant tá dizendo que você pode agir mal e produzi
felicidade e agir bem e produzir tristeza. Coisa que no utilitarismo é absurdo.
Então, claro, nesse sentido você se lembrará dos exemplos. Você vai numa escola
particular, quando é que o professor dá uma boa aula? Quando os alunos fazem
teste de satisfação: ótimo, bom regular ou péssimo e aprovam a aula. Se for um
estábulo, a aula será uma aula para equinos, não tem importância. Porque o que
importa é a felicidade de todo mundo. O que Kant tá dizendo ‘tá vendo, não pode
tá certo’. Porque se a boa conduta é aquela que enseja a felicidade sempre,
veja a primeira consequência disso, fica inviabilizado o crescimento do homem,
porque o processo educativo não é um processo de busca de felicidade na hora,
ali. A educação pressupõe dor, pressupõe desconforto, pressupõe correção de
rota, pressupõe advertência, pressupõe ‘tá errado’. O professor que é julgado
pela satisfação do playboy, ele tá fudido; ele tem que fazer o playboy sorrir o
tempo inteiro e isso é tudo, menos educar. Educar é pegar e dizer ‘você é um
bosta, então você vai sofrer agora pra você aprender a ser gente’. E esse
professor não continua no emprego, ele será demitido porque ele entristeceu o
playboy, ele mandou o playboy ler. ‘Imagine eu ler, velho, ler livro. Esse cara
tá zuado, cara. Imagina: ler livro no papel. Com quem esse cara pensa que ele
tá falando?’.
...
Três páginas. Você seleciona, imprime e lê. ‘Professor, mas três
páginas leva um minuto e meio’. Não. Não leva, não. Porque você pega o primeiro
parágrafo, lê. Ele vai te produzir um certo desconforto (isso com a aula, com a
aula). Aí você pega o primeiro parágrafo e lê de novo. ‘Você tá me chamando de
burro?’. Não. Ou se eu tô chamando de burro, chame-me também, porque é também
assim que eu leio. Lê a terceira vez o primeiro parágrafo. Aí vai pro segundo
parágrafo. Uma vez, duas vezes, três vezes. Então gasta uma hora em três páginas.
‘Professor, desse jeito eu nunca vou saber qual é o final da história’. Então, não
tem o final da história. O resto do livro é tão desinteressante quanto essas três
páginas. Você não tá perdendo nada, fique só nas três primeiras páginas. Porque
se
você não fizer a experiência da leitura de um texto difícil agora, acredite, você
terá perdido a chance. E você dirá ‘mas eu não me interesso por questões
filosóficas’. Não, é só uma questão de brio. Você tem brio? Sabe o que
é brio? Eu dizer ‘malandro, você é tosquinho, você não entende’. Nossa! Eu volto
pra casa, é a primeira coisa que eu faço, nem xixi, velho. Eu vou lá, vem o
texto, eu vou ler e tal. Por que como pode um cara escrever uma coisa
que eu não entenda? Não tem como. Eu vou ler aquela merda até entender. Isso é
brio. Senão o nego caga na sua cabeça e você não reage. Vai lá pegar o
Kotler, tem o solzinho, né?! Pra você é o máximo que dá, velho. Tem o teto, pra
você... dali pra cima você não passa. Tá dando razão pros gregos, nasceu pra
coió, não é. Não pode. Isso te fere a alma, cara. ‘Como assim eu não
vou entender?’. Eu comi na infância, comi. Me deram leite materno, me deram
leite ninho, me deram não sei o que, cérebro tem o tamanho de um cérebro
normal, neurônio tem neurônio à vontade. Então, porra, se o cara escreveu,
velho! Você só vai entender o que ele escreveu. Imagina que ele teve que tirar
do zero aquela merda toda.[...]
Você vai dizer ‘professor, mas a pedagogia’. A pedagogia que se foda! Você
precisa sentar a bunda na cadeira e melhorar a tua capacidade de pensamento,
porque depois você aplica isso aonde for. Porque se você ficar só no Show do
Ari Toledo, coisas fáceis, solzinho, públicos ‘e aqui tá empresa e nhe, nhe,
nhe’ pelo amor de deus, velho! Isso aí na 5ª série primária já daria pra
entender essa merda. Pega alguma coisa de gente. Tenha culhão . Mesmo que não tenha
nada a ver com você, tenha sangue, reaja!
‘Professor, eu não faço questão nenhuma de entender’. Ah, tudo bem. Fiz
o que eu pude. É isso mesmo. O que eu eu tô te dizendo? O que todo
mundo diz? ‘Nem pega o texto, cara. Isso aí é pra dois ou três’. Porra, se o
cara me diz ‘isso aí é pra dois ou três’, então é pra mim. Cadê a porra do
negócio? [...]
E você vai começar a se sentir mal, cara. Porque tá lendo 30 vezes a
porra da frase e você não entendeu o que o cara quis dizer. Você tem que se sentir incomodado, porque a
tua inteligência é o que você tem de melhor. Se ela não dá conta de uma merda
de uma frase, então você é um ser defecante. [...]
É esse o brio que eu tô falando. É esse brio. É esse brio que levará você
a procurar progredir intelectualmente, porque estudar, aperfeiçoar a capacidade
intelectiva, pensar com competência é tão esforçado quanto ter músculos,
correr, nadar travessia. Exige empenho, exige dedicação, exige bunda na
cadeira, exige etc e tal. Então essa é a ideia. O que eu fiz aqui? Dei as
chaves do castelo, fiz a cama, facilitei. Agora pega o texto, deita e entende.
Por que? Porque não tem por que não entender. Entrou aqui, tem coisa, tem
professor, tem comida, tem tudo. O resto é só preguiça e covardia."