Nos
tempos da graduação em Filosofia tive a oportunidade de conhecer um livro chamado 1984, de
George Orwell (curiosamente, e não sei o motivo, o nome verdadeiro do autor é
Eric Arthur Blair). Tal obra, escrita no ano de 1948, foi inspirada nos regimes
totalitaristas, ou totalitários que assolaram a humanidade nas décadas de
1930/1940 e as restrições moralistas que os mesmos impregnavam sobre a
sociedade e seus indivíduos.
Imagine
você, leitor, morar em um lugar onde tudo é controlado pelo governo ao ponto de
você ser assassinado caso não obedeça as regras impostas por quem está no
poder. Pois é numa circunstância assim que Orwell desenvolve sua história. O
Partido exercia total poder sobre seus comandados. Em cada casa havia uma
teletela, semelhante a uma televisão, que, além de captar informações sobre a
vida das pessoas, transmitia as ordens do temido Big Brother (O Grande Irmão).
Para
manter a ordem havia o Ministério da Verdade. Quem trabalhava nele tinha a
incumbência de manipular dados históricos, alterar eventos, destruir provas do
passado e incinerar documentos originais, tudo para defender os interesses do
Partido. Quem tivesse idéias contrárias aos ideais do Partido ou se negasse a
seguir as regras impostas por ele era denunciado à Polícia do Pensamento. As
crianças, desde muito cedo, aprendiam a fazer as denúncias ao pessoal deste
departamento. Quem fosse pego pela Polícia do Pensamento geralmente virava pó,
morria vaporizado. Até mesmo uma língua diferente, a Novilíngua, própria do
Partido, estava sendo criada para alienar ainda mais as pessoas.
O
personagem principal do livro, Winston Smith, era um funcionário do Partido que
não consentia com a situação a que o povo era submetido. Indignando, ele compra
clandestinamente um lápis e um bloco de folhas em um estabelecimento. Se fosse
pego com esses artigos, provavelmente perderia sua vida, visto que eram
produtos de venda proibida pelo risco de conspiração contra a ordem do Partido.
Em
sua casa, Winston consegue encontrar um canto em que a teletela não conseguia
capturar seus movimentos. Foi justamente neste local que ele inicia uma espécie
de diário, no qual ele externa seu desejo de uma sociedade diferente desta
opressora, imposta pelo Partido. As primeiras palavras que Winston grifa na primeira
página foram: “Abaixo o Grande Irmão”.
Pois
bem, algo lhe pareceu familiar nessa história que comecei a contar? Vou
interrompê-la para fazer um paralelo com a questão que eu quero chegar. Ainda
assim, 1984 fica como indicação de leitura. Acho que vai valer a pena dispensar
um tempo para conferir o desfecho do enredo.
Ainda
que de conhecimento de poucos, a obra que mencionei foi uma espécie de
inspiração para o ‘reality show’ mais popular dos últimos tempos. Isso mesmo!
Será mera coincidência uma casa vigiada por câmeras 24 horas por dia e o
programa se chamar justamente Big Brother?
Não
cabe a mim aqui fazer juízo do programa, da emissora que detém os direitos
autorais, dos participantes, dos telespectadores, das regras do jogo, nem nada.
O ponto que quero chegar é propor uma reflexão acerca daquilo que vivenciamos
diariamente, reflexão esta que pode contribuir com nosso desenvolvimento
cultural e humanístico. Assim, talvez possamos superar o que alguns teóricos
apontam como uma consequência da modernidade, a cultura inútil.
*Por Everton Augusto Corso.
Publicado no Jornal Folha da
Produção em março de 2009.
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